26 janeiro 2006

Rui Chafes no Jardim da Sereia em Coimbra


































Novalis - “Todas as forças da Natureza são Uma força, apenas.”

No Jardim romântico da Sereia em Coimbra podem ser vistas sete esculturas de exterior de Rui Chafes, um dos mais reconhecidos escultores portugueses da actualidade. A escolha deste local não foi ocasional. Desde 2000 que em alguns dos seus projectos, Chafes abandonou o espaço restritivo da Galeria/Museu. Projectos como Durante o fim, realizado no Parque do Palácio da Pena, ou Um Sopro, de 2003, executado nas falésias e praias da Costa Atlântica de Sintra, são alguns exemplos. Excepção, pela dimensão monumental que assumiu, foi a peça Comer o Coração que, em parceria com a coreógrafa e bailarina Vera Mantero, constituiu a representação Portuguesa na 26ª Bienal de Artes de São Paulo, em 2004. Apesar da monumentalidade da peça, esta podia ser vista no interior da Sede da Fundação Bienal de São Paulo, tal como viria a aconteceu depois com a reencenação da performance no CCB (Lisboa) em 2005.
Na verdade, a libertação que o exterior consente, no momento de inserir a peça na paisagem, permite a Chafes não só questionar e pensar essa inserção em termos de harmonia com o contexto, apesar das linhas de tensão criadas pela força que transcende dos materiais férreos usados, mas também o aproxima do ideário romântico que desde sempre esteve presente na sua produção escultórica.
As noções de tensão, grandeza, de encenação dramática e teatral, de densidade conceptual, de transcendência, aqui sublinhada pela verticalidade ascensional dos objectos suspensos e uma noção de presença sublime, são conceitos próprios do universo romântico e estão presentes nos objectos do Jardim da Sereia. Estas, mais do que esculturas individuais ou monumentos consagratórios, devem ser considerados numa perspectiva de instalação e a sua leitura deve ser conjunta, já que é possível traçar um percurso de visionamento e aproximação às peças, e estas apenas ganham sentido no seu todo.
Uma observação atenta do conjunto da instalação realça a importância plástica da linha que se assume por vezes subtilmente, noutras impõe-se, como acontece nas duas enormes alianças que abraçam linearmente os troncos das árvores ou na parede poligonal de ferro que duplica o muro de delimitação do espaço ajardinado do Campo de Santa Cruz.
A mesma força gravitacional que prende as enormes formas circulares à terra é contrariada, nas três peças suspensas e estrategicamente colocadas entre a folhagem das árvores centenárias. Esta sugestão de leveza, que acentua o carácter transcendental das peças é obstada pelo material das mesmas. Numa tensão similar, opõem-se no mesmo campo formas organicistas e uma rigorosa geometrização formal.
Por fim, uma estratégia de duplicação formal poderá ser encarada como um modo de interpretação/leitura mimetizada da natureza, os círculos reproduzindo as copas; os cilindros suspensos, os troncos das árvores ou os habitáculos artificiais para pássaros pendentes e dispersos pelo jardim.


22 janeiro 2006

Caos Visual. Instalação de Francisco Vidal.

Terminou no passado fim-de-semana a exposição do Prémio EDP Novos Artistas no Pavilhão Centro de Portugal em Coimbra.HÀ algumas semanas atrás, escrevi sobre o artista vencedor, João Leonardo. Mas não queria deixar passar esta oportunidade sem referir um outro projecto que esteve patente no mesmo prémio e que, pelas suas características, merece aqui ser analisado. Refiro-me à Instalação/mural de Francisco Vidal.
















Francisco Vidal - Pavilhão Centro de Portugal - Prémio EDP Novos Artistas, 2005.

Quem teve oportunidade de ver o processo de criação desta instalação que foi concebida pelo autor para ocupar o espaço e durar no tempo da exposição, usufruiu de um contacto directo com o artista e com o processo de execução e desenvolvimento do projecto. A instalação, uma espécie de caixa-palco, apresentava uma cenografia que foi especialmente concebida para a exposição. No entanto, a génese deste projecto podemos encontrá-la em trabalhos anteriores.

A fanzine, Segredos em Língua Materna [1], apresentada na Galeria Zé dos Bois em 2003 é um bom exemplo.
















Francisco Vidal - Segredos em Língua Materna, desenho em fanzine apresentada na Galeria ZDB, 2003.


Diários Gráficos de Francisco Vidal



















A noção de diário gráfico abandona, no projecto do PCP, a dimensão da fanzine, agigantando-se e projectando-se sobre o chão e parede. No livro “The Poetics of Space”, Bachelard fala do poder metafórico que representa a inserção do indivíduo no espaço e como os artistas usam o espaço como linguagem.

Sem dúvida, que para Vidal, a passagem do plano bidimensional ao tridimensional, da fanzine para o espaço da galeria, representou uma intenção de ir mais fundo na sua reflexão e na sua relação directa com o observador.















Francisco Vidal - Projecto para mural, diário gráfico, 2005.

Quando perguntei ao artista a origem deste seu projecto, Francisco Vidal respondeu que «Em Coimbra aconteceu o fim de um desenho que comecei no segundo semestre de 2005, e que começou com as exposições colectivas em que participei. O trabalho que desenvolvi neste semestre deixou de estar tão colado ao registo diário (no meu simples diário gráfico) e passou a ser uma projecção deste nas paredes dos locais onde me exponho. Nas intervenções em que me senti mais feliz, o diário obrigou à existência de explosões (de tinta). Em situações menos felizes, poesia e flores ajudam-me a não frustrar a composição».

Com uma dimensão de cerca de 7m3 deparávamo-nos com um caos visual senão mesmo com uma composições caóticas onde o artista misturou múltiplos elementos e referentes visuais, desde tintas jorradas, pingadas e escorridas sobre cartões que forravam toda a área de intervenção, a baldes e outros recipientes, a papeis de origens várias, à reprodução em grandes dimensões do “Fado” de José Malhoa colado grosseiramente no chão, etc.

A variedade e quantidade de elementos visuais oferecidos é de tal ordem que as primeiras palavras que surgem na mente do observador são a de caos, excesso, ausência de vazio, etc. Esta intenção é comum a uma série de artistas contemporâneos nacionais e internacionais. Bastaria citar Carlos Bunga, o vencedor do Prémio EDP Novos Artistas em 2003, actualmente em exposição na Culturgest do Porto, Tomoko Takahashi, Artur Barrio, a “Anschool II” de Thomas Hirschhorn (que pode neste momento ser visto no Museu de Arte Contemporânea de Serralves) ou Jason Rhoades, cujas instalações se revestem desta metodologia “pastiche”.

















Carlos Bunga na Elba Benítez Galería
















Tomoko Takahashi -
Drawing Room installation 1998.



















Artur Barrio - Ruído, 2001.
















Thomas Hirschhorn - Altar to Raymond Carver. Vivre sa vie, Glasgow 2002.

















Jason Rhoades - Creation Myth 1998.


Subjacente à instalação de Vidal, e apesar do seu carácter aparentemente não linear, está uma atitude de nivelamento dos elementos simbólicos. A referência a Malhoa, a figuração “basquiatiana”, que a acumulação e repetição de diferentes formas, dizeres poéticos e símbolos, encerra, a negação de hierarquias simbólicas e espaciais, não são com certeza fruto do acaso. José Bragança de Miranda, num ensaio sobre a cultura hip-hop, faz referência à enorme “capacidade de recombinação”, “hibridização e mistura que caracteriza a cultura contemporânea” naquilo que ela poderá representar de condição pós-moderna. Como exemplo dessa hibridez aponta o nome de Basquiat em oposição ao de Andy Wahrol e consequentemente à cultura pop. Escreve: «O primeiro interrogava a vida, enquanto que Basquiat se enredava nas artes da vida. Para o primeiro os media eram o espaço, para Basquiat era a própria cidade»[2].

Francisco Vidal ao “expor-se”, enreda-se também nas artes da vida, envolvendo-se crítica, poética, social e politicamente numa fusão que constitui o seu olhar e que pretende criar um espaço concreto de reflexão para si e para os outros.

[1] Ver: http://www.artafrica.gulbenkian.pt/html/expovirtual/expovirtual.php?ide=2
[2] Ver: http://pwp.netcabo.pt/jbmiranda/jbm_hip.htm


12 janeiro 2006

"Dada" no Centro George Pompidou em Paris


















"Dada foi um dos movimentos artísticos internacionais mais marcantes do início do século XX. Nascido em Zurique, em pleno conflito mundial, o movimento dada reuniu em 1916 criadores vindos de toda a Europa, revoltados contra os valores da época e determinados por um desejo unânime de mudança. Dada é testemunha de grandes mudanças na imprensa ilustrada , na rádio, no cinema. Atacando as formas da linguagem, os dadaístas foram críticos acesos da sociedade. Dada não tem um programa estético. Muitas vezes considerado como um movimento destruidor, Dada foi extremamente produtivo. Ready-made, performance, poesia sonora, colagens, são alguns dos processos utilizados pela constelação de artistas dada."





















Cenografia da Exposição

Num percurso que propõe sem se impor um desenvolvimento cronológico, a cenografia da exposição Dada organiza-se sobre uma grelha que tende a abrir-se, deslocar-se até desaparecer completamente. O espaço da galeria (2200 m2) é constituído por cerca de 40 células com cerca de 30 m2, dedicados a um artista, um lugar, um tema ou um acontecimento marcante de Dada. A cenografia apoia-se nas linhas mestres de Dada: de um lado, um aparente caos reflecte a profusão criativa das centenas de artistas do movimento, de outro, o rigor metódico do movimento. A estrutura em grelha evoca claramente o jogo de xadrez e as suas estratégias, usadas por numerosos dadaístas. O visitante tem a oportunidade de escolher o seu percurso, seguindo as suas afinidades conforme vai fazendo as suas descobertas. Os espaços sucedem-se, sempre renovados na sua morfologia cenográfica, nos jogos de frente a frente entre a abundante produção escrita e as obras plásticas. Os percursos são pontuados por paredes-vitrinas. O espaço espartilhado converge para um espaço mais amplo no final da Galeria onde as enormes janelas do centro abrem para a cidade de paris e para a projecção do filme «Entr’acte» de René Claire.”

«Les Objects trouvés sont priés de tenir en laisse leur Avis»
Kurt Schwitters

«Ce que nos appelons dada est une bouffonnerie issue du néant et toutes les grandes questions y entrent en jeu ; un geste de gladiateur ; un jeu avec de misérables résidus ; une mise à mort de la mortalité et de l’aondance qui ne sont que postures»
Hugo Ball

«L’émotion indisciplinée entichit la conscience»
Clément Pansaers

«Dada lui ne sent rien, il n’est rien, rien, rien,
Il est comme vos espoirs : rien
Comme vos paradis : rien
Comme vos idoles : rien
Comme vos artistes : rien
Comme vos religion : rien…»
Francis Picabia

«DADA se charge de la police à pédales et de la morale en sourdibe.»»
Tristan Tzara





















Selecção de Imagens















11 janeiro 2006

"Robert Malaval, kamikaze", Palais de Tokyo, 2005
























"Expor a obra de Malaval no Palais de Tokyo e na Bienal de Arte Contemporânea de Lyon revela uma escolha comprometida e de algum modo contra corrente face ao panorama actual da arte contemporânea, já que se trata de uma verdadeira tomada de posição para defender a obra de um artista capital e até hoje negligenciado – ou esquecido – pela história da arte dos últimos 25 anos. Criador duma verdadeira versão francesa da pop art, Robert Malaval é um dos raros artistas dos anos 60-70 a ter integrado a cultura rock no seu trabalho. A ficção científica, que sempre o fascinou, atravessa toda a sua obra, desde os primeiros "Aliments Blancs" de 1961 até aos "Pastels Vortex" de 1978. Herói undergrounsd, Robert Malaval foi ao mesmo tempo escritor não publicado, dandy pop, admirador e próximo dos Rolling Stones, Hippie num mundo visto a «rosa, branco e malva», pioneiro do glam rock, inventor de uma estética punk. Apaixonado pelo som, pairam em seu redor ruídos que acaba por utilizar nas suas exposições, alimentando a sua pintura. Agora que uma nova geração de artistas é profundamente influenciado pela cultura electrónica e pelos desenvolvimentos do rock, é essencial olhar de novo para a obra deste artista para demonstrar a sua actualidade."


O que se destaca nesta exposição é sobretudo a morfologia da montagem. As imagens que seleccionei ilustram em evidência a recusa de uma espaço de percepção "clean", característica que até ao muito pouco tempo constituía o ex-libris de qualquer montagem de exposição.







































Curador Geral: Nicolas Bourriaud e Jérôme Sans
Curador da Exposição: Marc Sanchezassisté
A Exposição terminou no dia 8 Janeiro 2006.

Artur Barrio, "Réflexion…(s)…" no Palais de Tokyo em Paris















Artur Barrio foi um dos primeiros a realizar gigantescas instalações com composições caóticas onde mistura múltiplos elementos.

Com atitudes semelhantes posso nomear Tomoko Takahashi ou Jason Rhoades.




















Tomoko Takahashi - Learning How to Drive, 2000. Mixed media installation, dimensions variable © Courtesy the artist and Hales GalleryPhoto: Tate Photography/Mark Heathcote














Tomoko Takahashi -Untitled, 1997. Beaconsfield, London .




















Jason Rhoades - Installation view of "Uno Momento/ the theater in my dick", 1996.




















Jason Rhoades - Installation view of "My Brother/Brancuzi", 1997 .

Autur Barrio interessa-se pelas questões sociais e económicas e o seu trabalho reflecte sempre essas preocupações. Desde os anos 60 que Barrio desenvolve uma prática artística experimental em relação estreita com o movimento neo-concretista proposto por artistas como Lygia Clark, Helio Oiticica, etc.… Através de diversos projectos como a caminhada sem destino que realizou durante 4 dias e 4 noites sob o efeito de canabis («4 dias 4 noites», 1970) ou um livro feito de carne fresca («Livro de Carne», 1978/79), passando pelas diversas «Situações», Artur Barrio procurou sempre destabilizar e desregulamentar a natureza da arte, a sua função, a sua forma e materiais.

















Artur Barrio - Livro de Carne, 1978-79.


O corpo como centro da produção artística.

Produzindo uma arte que faz do corpo o centro da sua produção artística, Barrio valoriza a experiência e não imagem ou o objecto. As intervenções urbanas, o interesse pela relação directa com a vida, a estética do caos, a utilização de materiais efémeros e precariedades elementares da vida quotidiana como o sal, papel higiénico ou sangue são alguns dos elementos usados por Artur Barrio para tecer una obra exemplar face às numerosas práticas artísticas actuais.

A Exposição de Artur Barrio no Palais de Tokyo

Um ambiente rico em estranheza e sensações múltiplas «Reflexion...(s)...» é uma instalação especialmente concebida para o espaço do Palais de Tokyo, que reactiva, sob a forma duma variação, uma série iniciada à alguns anos. Numa atmosfera onde reina a desordem e um intenso perfume a café e a pão, uma espaço aparentemente abandonado e com as paredes repletas de desenhos e frases que convidam à pura experimentação, à livre associação do ambiente. Como o título sugere «Reflexion...(s)...» convida o visitante a reflectir sobre a perda, a memória e a natureza polimorfa dos objectos. O trabalho de Artur Barrio cria através da experimentação de uma situação dada, uma polifonia de ideias e contextos.

Algumas Imagens...





























































Curador Geral: Nicolas Bourriaud et Jérôme Sans
Curador da exposição l'exposition: Akiko Miki,
Assistente: Martin Kiefer
A Exposição terminou no dia 8 de Janeiro 2006.