22 janeiro 2006

Caos Visual. Instalação de Francisco Vidal.

Terminou no passado fim-de-semana a exposição do Prémio EDP Novos Artistas no Pavilhão Centro de Portugal em Coimbra.HÀ algumas semanas atrás, escrevi sobre o artista vencedor, João Leonardo. Mas não queria deixar passar esta oportunidade sem referir um outro projecto que esteve patente no mesmo prémio e que, pelas suas características, merece aqui ser analisado. Refiro-me à Instalação/mural de Francisco Vidal.
















Francisco Vidal - Pavilhão Centro de Portugal - Prémio EDP Novos Artistas, 2005.

Quem teve oportunidade de ver o processo de criação desta instalação que foi concebida pelo autor para ocupar o espaço e durar no tempo da exposição, usufruiu de um contacto directo com o artista e com o processo de execução e desenvolvimento do projecto. A instalação, uma espécie de caixa-palco, apresentava uma cenografia que foi especialmente concebida para a exposição. No entanto, a génese deste projecto podemos encontrá-la em trabalhos anteriores.

A fanzine, Segredos em Língua Materna [1], apresentada na Galeria Zé dos Bois em 2003 é um bom exemplo.
















Francisco Vidal - Segredos em Língua Materna, desenho em fanzine apresentada na Galeria ZDB, 2003.


Diários Gráficos de Francisco Vidal



















A noção de diário gráfico abandona, no projecto do PCP, a dimensão da fanzine, agigantando-se e projectando-se sobre o chão e parede. No livro “The Poetics of Space”, Bachelard fala do poder metafórico que representa a inserção do indivíduo no espaço e como os artistas usam o espaço como linguagem.

Sem dúvida, que para Vidal, a passagem do plano bidimensional ao tridimensional, da fanzine para o espaço da galeria, representou uma intenção de ir mais fundo na sua reflexão e na sua relação directa com o observador.















Francisco Vidal - Projecto para mural, diário gráfico, 2005.

Quando perguntei ao artista a origem deste seu projecto, Francisco Vidal respondeu que «Em Coimbra aconteceu o fim de um desenho que comecei no segundo semestre de 2005, e que começou com as exposições colectivas em que participei. O trabalho que desenvolvi neste semestre deixou de estar tão colado ao registo diário (no meu simples diário gráfico) e passou a ser uma projecção deste nas paredes dos locais onde me exponho. Nas intervenções em que me senti mais feliz, o diário obrigou à existência de explosões (de tinta). Em situações menos felizes, poesia e flores ajudam-me a não frustrar a composição».

Com uma dimensão de cerca de 7m3 deparávamo-nos com um caos visual senão mesmo com uma composições caóticas onde o artista misturou múltiplos elementos e referentes visuais, desde tintas jorradas, pingadas e escorridas sobre cartões que forravam toda a área de intervenção, a baldes e outros recipientes, a papeis de origens várias, à reprodução em grandes dimensões do “Fado” de José Malhoa colado grosseiramente no chão, etc.

A variedade e quantidade de elementos visuais oferecidos é de tal ordem que as primeiras palavras que surgem na mente do observador são a de caos, excesso, ausência de vazio, etc. Esta intenção é comum a uma série de artistas contemporâneos nacionais e internacionais. Bastaria citar Carlos Bunga, o vencedor do Prémio EDP Novos Artistas em 2003, actualmente em exposição na Culturgest do Porto, Tomoko Takahashi, Artur Barrio, a “Anschool II” de Thomas Hirschhorn (que pode neste momento ser visto no Museu de Arte Contemporânea de Serralves) ou Jason Rhoades, cujas instalações se revestem desta metodologia “pastiche”.

















Carlos Bunga na Elba Benítez Galería
















Tomoko Takahashi -
Drawing Room installation 1998.



















Artur Barrio - Ruído, 2001.
















Thomas Hirschhorn - Altar to Raymond Carver. Vivre sa vie, Glasgow 2002.

















Jason Rhoades - Creation Myth 1998.


Subjacente à instalação de Vidal, e apesar do seu carácter aparentemente não linear, está uma atitude de nivelamento dos elementos simbólicos. A referência a Malhoa, a figuração “basquiatiana”, que a acumulação e repetição de diferentes formas, dizeres poéticos e símbolos, encerra, a negação de hierarquias simbólicas e espaciais, não são com certeza fruto do acaso. José Bragança de Miranda, num ensaio sobre a cultura hip-hop, faz referência à enorme “capacidade de recombinação”, “hibridização e mistura que caracteriza a cultura contemporânea” naquilo que ela poderá representar de condição pós-moderna. Como exemplo dessa hibridez aponta o nome de Basquiat em oposição ao de Andy Wahrol e consequentemente à cultura pop. Escreve: «O primeiro interrogava a vida, enquanto que Basquiat se enredava nas artes da vida. Para o primeiro os media eram o espaço, para Basquiat era a própria cidade»[2].

Francisco Vidal ao “expor-se”, enreda-se também nas artes da vida, envolvendo-se crítica, poética, social e politicamente numa fusão que constitui o seu olhar e que pretende criar um espaço concreto de reflexão para si e para os outros.

[1] Ver: http://www.artafrica.gulbenkian.pt/html/expovirtual/expovirtual.php?ide=2
[2] Ver: http://pwp.netcabo.pt/jbmiranda/jbm_hip.htm