23 dezembro 2005

Fluidos Corporais e Arte Contemporânea

O Prémio EDP Novos Artistas vai na sua 6ª edição. Foram sete os artistas seleccionados este ano para apresentarem os seus projectos no Pavilhão Centro de Portugal em Coimbra: Eduardo Petersen, Francisco Vidal, Vasco Costa, Jorge Feijão, José Carlos Teixeira, Ramiro Guerreiro e João Leonardo. Nesta Crónica o meu destaque vai para o vídeo «The Hair of the Dog» deste último artista.

A estratégia de choque ou a objectivação do corpo enquanto mecanismo mediador entre o que é ingerido e depois expelido e reintroduzido resume em poucas palavras a orgânica usada pelo artista para provocar uma reacção que pode ser de abominação ou repugnância no caso dos espectadores mais sensíveis. O facto de João Leonardo beber uma cerveja, urinar depois no mesmo copo para a beber de seguida com a mesma satisfação que caracterizou o primeiro acto, não é nada mais do que uma alegoria performatizada.














Herman Nitsh- Acciones. 1984.











Robert Mapplethorpe - Jim and Tom. 1977.

Muitos artistas nas últimas décadas têm provocado escândalo graças à utilização do corpo e de fluidos corporais de uma forma não convencionada pela sociedade. Posso citar, a título de exemplo, a ex-prostituta e hoje artista-performer Orlan que se redesenha obsessivamente mediante a cirurgia plástica; Herman Nitsch, fundador do teatro do Mistério das Orgias, que promete a catarse mediante uma encenação de música, pintura, derramamento de sangue e entranhas de animais ou ainda, e mais polémico, Ron Athey, artista seropositivo que numa das suas actuações fez um corte a outro intérprete em palco e lançou sobre o público folhas de papel empapadas em sangue, provocando o terror total. Mais próximos da acção de João Leonardo, a «Virgem Maria» de Chris Ofili exposta em 1999 na célebre exposição Sensation executada com excrementos de elefante, o «Piss Christ» de Andrés Serrano de 1987, ou «Jim and Tom» de Robert Mapplethorpe (1977), o primeiro, uma fotografia da Crucificação de Cristo em cuja produção foi usada urina e o segundo, outra fotografia mostrando um homem urinando na boca de outro.














Andrés Serrano - Piss Christ. 1987.














Chris Ofili - The Holy Virgin Mary. 1996.

O acto encenado por João Leonardo não é de carácter religioso na verdadeira acepção da palavra mas acaba por sê-lo quando faz uso de ritos sociais e urbanos característicos da sociedade actual acrescentando-lhes um valor simbólico mediante o uso de um gesto que é sublinhado pelo próprio título do vídeo e ao qual não posso deixar de atribuir também uma intenção sarcástica e de gozo. A expressão idiomática "The hair of the dog» está associada ao acto de beber bebidas alcoólicas em excesso. Acredita-se que para curar a ressaca do dia anterior bastará beber um ou dois copos da mesma bebida. Este «Bebe o que bebeste» é ao mesmo tempo ironia, jogo e ritual. Todos os participantes deste cerimonial conhecem as regras do jogo e se há escândalo é porque não se domina nem compartilha a mesma crença.

O que este vídeo ilustra alegoricamente é a fronteira entre uma grelha de valores aceitáveis e não aceitáveis tendo por pano de fundo a tradição cultural ocidental. Tratando-se de uma questão axiológica, o sentido da imagem não está na imagem em si mas na relação que o espectador poderá estabelecer com ela. E nestas circunstâncias, o choque ou o escândalo pode existir ou não.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Em continuação ao i-mail de ontem envio provas que Artur Barrio nos anos 70, espalhou seus fluidos corporais pela cidade do Rio de Janeiro e essas interveções,foram registradas.






DEFL ........... -SITUAÇÃO- +S+ .............. RUAS ..............
DEFLAGRAMENTO DE SITUAÇÕES SOBRE RUAS.
(OUTRAS SUPERFÍCIES INCLUÍDAS) PROJETO:
LANÇAMENTO DE 500 SACOS DE PLÁSTICOS CONTENDO:
Sangue, Pedaços de unhas, Saliva (escarro), Cabelos, Urina
(mijo), Merda, Meleca, Ossos, Papel higiênico, utilizado ou
não. Modess, Pedaços de algodão usados, Papel úmido,
Serragem, Restos de comida, Tinta, Pedaços de filme (negativos), Etc.

OBJETIVO: FRAGMENTAÇÃO DO COTIDIANO EM FUNÇÃO DO
TRANSEUNTE.

NA REALIZAÇÃO DO PROJETO FOI USADO um carro utilitário,
tendo como motorista Luiz Alphonsus e no registro fotográfico
César Carneiro, eu, Barrio, ocupei-me do lançamento dos sacos
nos logradouros escolhidos; o início da ação deu-se às 10 hs. da
manhã, sendo que a tática usada foi a seguinte:.............avanço
a pé por uma rua em meio aos transeuntes carregando um saco
(como usados para farinha, 60kg) repleto de objetos deflagradores e,
quando chego ao local determinado, despejo-o em plena via pública,
continuando a caminhar; logo após, César Carneiro registra a reação
dos passantes, etc., em 6 ou 7 disparos, caminhando logo em seguida
para o carro (UTILITÁRIO) que numa rua transversal nos espera, com
o motor ligado.

DOS ASPECTOS:

1) DE CONSIDERAR OS SACOS (OBJETOS DEFLAGRADORES)
COMO CENTROS ACUMULATIVOS ENERGÉTICOS.

2) DE TEMPERATURA: QUENTE - FRIO - GELADO - MORNO
- MUITO QUENTE - (DO LIXO).

3) PSICOLÓGICOS

4) 20% dos SACOS (OBJETOS DEFLAGRADORES) continham
uma fita gomada datada e assinada por mim.

5) Numa das intervenções, numa rua da Tijuca, um transeunte
interessou-se vivamente pelos sacos (objetos deflagradores) e
pediu-me um perguntando o que representavam, já que em princípio
pensou que eram despachos; respondi-lhe que não, que o que ele
tinha nas mãos era arte, ao que prontamente respondeu que tinha
gostado e que portanto iria levá-lo para casa.

6) Na Praça General Osório, uma mulher ofereceu-me um sanduíche.

7) É necessário notar que em diversos locais, em razão das ruas
não serem movimentadas, não houve necessidade de usar tática
alguma, ou melhor, a tática era a descontração; o que não aconteceu,
por ex., na av. Copacabana, av. Rio Branco, praça Saenz Peña, outras
ruas do centro da cidade, lagos do Museu de Arte Moderna, etc.

8) O término de Deflagramentos, foi justamente nos lagos do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro às 16 hs.

9) Os pontos aonde foram deixados os sacos (objeto deflagradores), criaram
entre si continuidades elétricas.


Rio de Janeiro, primeira quinzena de
abril..............1970........................
Texto retirado de
www.arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.

quarta-feira, 29 outubro, 2008  

Enviar um comentário

<< Home