23 dezembro 2005

Arquitectura e Paisagem na Galeria Sete

A exposição Arquitectura & Paisagens patente na Galeria Sete em Coimbra apresenta mais uma vez uma exposição colectiva, desta vez reunindo doze artistas cujos projectos exploram a dicotomia entre o natural e o artificial. Numa abordagem generalista, os diferentes referentes podem ser associados de forma imediata ao universo arquitectónico ou a elementos paisagísticos. Aliás, é a própria nomenclatura da exposição que o confirma. No entanto, em determinadas situações o espectador vê-se perante um logro ficcionado pelo artista. Esta experiência pode ser percepcionada nos projectos de Gabriela Albergaria ou Samuel Rama em que a ficção se assume num universo ecologista.








Gabriela Albergaria - Tempo/Weather. 2005. Prova Lambda 22x90 cm (triptico) (ed. 1/3+PA)










Samuel Rama - S/título. 2003. Prova ilfochrome polyester 26,5x39 cm (ed. 2/5+PA)

As maquetas construídas com pormenores de realidade são fotografadas e ampliadas de tal modo que sugestionam paisagens naturais e mesmo reais, no caso das fotografias de Albergaria, e de construções de casarios rurais no caso de Rama. Os próprios desenhos de Albergaria estruturam a progressão hipotética de um ciclone e os seus efeitos na natureza.

Nas pinturas de Pedro Falcão o espectador é confrontado com um ambiente arquitectónico, formalmente minimalista. Uma observação mais atenta conduz ao reconhecimento da existência de pormenores construtivos que o autor identifica com letras do alfabeto. Neste caso, os títulos das obras podem ajudar a fazer a ponte. Letterscape – Paisagem de Letras (da série KBT) é um bom exemplo. O carácter formal e o modo como se sobrepõem e interceptam as letras pintadas numa mesma cor sobre o que aparenta ser uma linha de horizonte insinua esse mesmo engano. Mas outras questões podem ser colocadas, algumas também comuns aos projectos já referidos. É o caso da ilusão de escala ou simplesmente a crítica à intervenção do Homem sobre o meio físico.










Pedro Falcão - Letterscape 2 (da série KBT). 2005 tinta de água s/ madeira 75x200 cm












Pedro Falcão - MW (da série KBT). 2004. tinta de água s/ MDF 123x163 cm.

No primeiro caso, inserem-se as pinturas-objecto de Ana Gama que através de um jogo óptico de espelhos criam uma noção de profundidade espacial de contornos psicadélicos. A este espaço-outro acede-se, numa atitude voyeurista, através de aberturas existentes nas zonas centrais das peças. Os objectos de Pedro Valdez Cardoso, vencedor do Prémio City Desk em 2005, revelam sobretudo preocupações de carácter ecopolíticas. A hipotética qualidade do transgénico e o seu questionamento poderão constituir uma hipótese de leitura de peças como Building Nature de 2005.










Ana Gama - Narciso ou estratégia do vazio. 2002. Acrílico s/ MDF e alumínio 140x210 cm.









Ana Gama - Narciso ou estratégia do vazio. 2003. estrutura de alumínio e vidro 100x170 cm.











Pormenor Narciso ou estratégia do vazio. 2003.











Pormenor Narciso ou estratégia do vazio. 2003.














Pedro Valdez Cardoso - S/título (baldio). 2005. técnica mista 200x70x70.











Pedro Valdez Cardoso - Building Nature. 2005. Técnica mista 56x73x52 cm.

Com uma intenção distinta, a problematização do planeamento arquitectónico mantêm-se noutros projectos. A estruturação e a delimitação de fronteiras constituem o âmago dos mais recentes objectos de João Galrão. Território 2 revela precisamente essa inquietação. Utilizando madeira, PVC e esferovite armado foi criada uma plataforma de simulação micro-arquitectónica que não pode deixar de ser associada a uma visão topográfica.








João Galrão
S/título. 2005.
Floreira metálica c/ escuet de esferovite armado
194x47 cm (diâmetro)








João Galrão
S/título (da série Contratempo). 2005.
madeira c/ ligadura de gesso e massa mineral
93,5x44x33 cm





João Galrão
Território, 2, 2005.
madeira, PVC e esferovite armado
60x60x12cm



Esta visualidade está também presente nas paisagens fantásticas criadas por António Melo num imaginário próximo de Lewis Caroll. Verdadeiras janelas por onde se pode perscrutar um mundo-outro, onde domina o mesmo verde terroso dos desenhos de Albergaria.














António Melo - S/título. 2004 óleo s/ tela 100x81 cm.

Se em vários projectos, já analisados, são perceptíveis noções de espaço-outro, em Boring Postcards # 2 de Luís Palma é o conceito de não-lugar de Marc Augé que se descobre na fotografia de um terminal rodoviário de Veneza. Um não-lugar é um espaço de trânsito, de mediação entre origens e destinos.







José Maças de Carvalho - Chewing me. 2005 Provas Lambda 37,5x150 cm (tríptico) (ed. 1/3+PA).

Esta imagem tripartida pode ser transferida em termos figurativos para a relação entre emissor, mensagem e receptor que estrutura o vídeo Chewing me de José Maças de Carvalho. A estratégia de duplicação, presente em muitos dos seus vídeos, neste caso de uma mesma personagem feminina que mastiga infantilmente uma pastilha elástica, é impugnada lentamente pela percepção de que os movimentos que expressa não são simultâneos. O que existe é apenas uma simetria desfasada no tempo.