23 dezembro 2005

Gabriela Albergaria no CAPC












Gabriela Albergaria - Jardim da Sereia. Coimbra
Durante os séculos XVII e XVIII os jardins foram reconhecidos como exemplos máximos de arte. Em 1770, Horace Walpole incluía a jardinagem no sistema que continha a poesia e a pintura, considerando-as artes irmãs. Mas os jardins não cumpriam apenas uma função estética. A sua importância social, política e cultural não era menosprezada. Significavam o poder e domínio do soberano. Por outro lado, existia também uma sensibilidade histórica visível na planificação geometricamente ordenada desses espaços que, ao contrário dos jardins orientais, insistiam numa «harmonia» com a natureza em vez da posse sobre esta. Kant não considerava os jardins como a forma mais elevada da arte mas tinha-os em consideração, incluindo-os também na sua classificação de belas artes. «A jardinagem paisagística […] não consiste senão em enganar a terra com a mesma múltipla variedade (ervas, flores, arbustos e árvores, incluindo colinas e vales) que oferece a natureza à nossa vista, mas dispondo-os de modo diferente em obediência a determinadas ideias». É a fusão simbólica entre o natural e o artificial, entre o naturalmente dado pela natureza e o intervencionado pela artista, que traça o fio condutor desta exposição de Gabriela Albergaria denominada «Mouvement, Instability, Conflito». Pensado especialmente para o espaço do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra tendo em consideração a sua inserção junto ao Jardim da Sereia, Gabriela Albergaria concebeu o seu projecto nos três momentos distintos que o título da exposição descreve. Intervindo quer dentro do espaço expositivo do CAPC, quer no exterior deste, apresentando dois sites specific no Jardim da Sereia, os conceitos e as noções exploradas nestes desenhos, fotografias e intervenções traduzem uma longa investigação onde as relações com projectos anteriores são igualmente claras. Bastaria citar o Project Room «Collect, Transportar, Coloniser» (2004) no Centro Cultural de Belém, onde a ideia de «reparação estética» de um ulmeiro decepado, expressão usada por Joana Neves, faz alusão às noções de enxerto, readaptação, colonização, reconfiguração, intervenção humana na requalificação e melhoramento do natural e do artificial, em suma às emigrações sociais, politicas e culturais que caracterizam a condição pós-moderna. Neste projecto para o CAPC destaca-se a ideia de acidente, directamente influenciada pela imagem fotográfica de um ciclone que destruiu em 1941 grande parte da flora existentes no Jardim da Sereia. Os desenhos de Albergaria fazem a ligação à essa visão infausta. Documentando o movimento centrifugo dos ventos, sugerindo curas ou confeccionando e ilustrando uma nova Natureza. Esta confecção de facto, evidencia-se nas maquetas de cenários naturais depois fotografadas, que sugerem uma dúbia leitura quanto à sua veracidade. Nos desenhos a lápis verde, a Natureza surge num registo de perfeição tal cujo único referente mencionável é o desejo de ideal, na realidade impossível. Outra ideia preponderante é a de dominação. Domínio sobre o natural e mesmo sobre o artificial. Esse poder esclarecido exerce-se sobre a forma de manipulação desenhista, através da encenação das maquetas, em si mesmas objectos manuseáveis, manipuladas fotograficamente ou através da imposição de enxertias. As fotografias exibem o lado natural e real da natureza e são ao mesmo tempo totalmente fantasiadas. Em suma, e citando Mark Gisbourne, o trabalho de Gabriela Albergaria reflecte «um tipo de poética humana em defesa de uma forma de reparação natural».