29 dezembro 2005

Ana Gama - Narciso ou a Estratégia do Vazio

Narciso ou a Estratégia do Vazio

“Narciso ou a estratégia do Vazio” é o título da série de objectos-pintura desenvolvidos por Ana Gama, uma jovem artista de Coimbra, nos últimos dois anos. A artista participa actualmente na colectiva "Arquitectura e Paisagesm" patente na Galeria Sete (Coimbra) e foi vencedora do primeiro prémio de Pintura da Galeria Santa Clara (Coimbra) no passado mês de Novembro.














Ana Gama - Narciso ou a estratégia do Vazio

“Narciso ou a estratégia do Vazio” é também o título do III Capítulo da “Era do Vazio. Ensaio sobre o individualismo contemporâneo” do filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovetsky. Parafraseando o autor, Narciso surge aos olhos de um relevante número de investigadores como símbolo dum presente que instaurou um novo estádio do individualismo. “O narcisismo designa então a emergência de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo próprio e com o seu corpo, com outrem, com o mundo e com o tempo, no momento em que o capitalismo autoritário dá a vez a um capitalismo hedonista e permissivo[1]”.O percurso traçado por Lipovetsky, nesta obra exemplar, não é nada mais do que o da autonomia do indivíduo pós-moderno em cisão com a tradição e com as suas estruturas reguladoras. A relação entre esta tese e os conceitos desenvolvidos por Ana Gama no seu projecto é óbvia. No meu texto sobre a exposição Arquitectura e Paisagem na Galeria Sete, reflectindo sobre os seus objectos, fiz alusão à criação de um espaço-outro proporcionado pelo jogo óptico dos espelhos existentes nas estruturas de alguns dos objectos. Este espaço-outro corresponde a um vazio, que ao contrário do vaticinado por Lipovetsky, onde predomina um sentimento desesperativo, o mesmo que é expresso por Paul Virilio, é gerador, iniciático, proporcionador de esperança construtiva e não de declínio, definhamento ou morte como acabou por suceder com Narciso.














Ana Gama - Narciso ou a estratégia do Vazio

A salientar essa positividade, o carácter sereno das formas, a ausência de arestas vivas, as formas elípticas, as linhas ascendentes e as tonalidades suaves. A este espaço-outro acede-se, como foi referido, numa atitude voyeurista, através de aberturas existentes nas zonas centrais das peças. Espécie de matrix, que se pode ou não vislumbrar.










Ana Gama - Narciso ou a estratégia do Vazio

Esta relação entre o espelho e o reflexo de quem o observa, entre a realidade palpável e a virtual - a que se deseja ver - remete o observador para o mito de Narciso, o mesmo que centrado em si mesmo, mergulha numa indiferença perante tudo e todos em virtude do excesso de estímulos criados pela sociedade. O resultado poderá ser o aniquilamento da personalidade em nome duma “imaglogia”[2], mas para Ana Gama o espelho, que também se revela na simetria das formas e na sua repetição geométrica surge como uma forma de abertura e não de enclausuramento dos processos de personalização e narcisismo. Esta é a proposta feita pela a artista para que se consiga sobreviver num mundo de aparências. Apaixonado pelo espelho Narciso procurou descobrir a sua própria imagem nos outros, auto-condenando-se à insatisfação perpétua. Dorian Gray é uma boa metáfora para o determinismo que encerra esta atitude.











Ana Gama - Narciso ou a estratégia do Vazio

De modo distinto, ao espectador que se revê nos espelhos de Ana Gama, resta uma postura não individualista mas multiplicadora, aberta e indiferente. Os objectos-pintura de Ana Gama materializam o desejo de contrariar criticamente essa tendência narcísica, mostrando-se enquanto estruturas abertas e não encerradas sobre si mesmas.

[1] LIPOVETSKY, Gilles – A Era do Vazio. Ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio D´Água, 1989, p. 48.
[2] Conceito criado por Milan Kundera. Pretende “significar a combinação numa palavra daquilo que têm tantos nomes: agências de publicidade, consultores de imagem para estadistas, desenhistas encarregados de projectar as formas dos carros e aparelhos de ginástica, modistas, cabeleireiros e estrelas do mundo do espectáculo, que ditam as normas de beleza física para aqueles que respeitam todos os ramos de `imagologia’.” In Insustentável Leveza do Ser. Lisboa: Dom Quixote. [1988].

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

excelente site, boa mana!!!

Pedro Barão

sábado, 14 janeiro, 2006  

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