23 dezembro 2005

Arte, Ciência e Tecnologia. I Parte

No âmbito da comemoração do Ano Mundial da Física o Museu Nacional da Ciência e da Técnica em co-produção com a Associação para o Desenvolvimento do Departamento de Física da Universidade de Coimbra apresenta uma exposição comissariada por Miguel Amado que reúne vinte e cinco artistas portugueses, alguns consagrados, outros em início de carreira. O tema base desta exposição é precisamente a confluência entre arte, ciência e tecnologia, isto é, a proximidade entre campos distintos, quer na complementaridade que por vezes os caracteriza, quer na influência recíproca que pode resultar de ambos. Daí que o título escolhido para a mostra acabe por ser de algum modo redutor, já que os fenómenos e projectos apresentados pelos artistas vão muito além da fórmula criada por Einstein. Apenas a noção de relatividade do meio expressivo poderia justificar a nomenclatura, mas tal escolha transformaria o conceito numa colagem superficial e sem sentido.














Amélia Alexandre
Observatório, 2005 . Provas digitais (48) 16 x 16 cm


A convergência entre estes campos, foi enúmeras vezes referenciada por cientistas e filósofos. Vale a pena referir o que diz Giles Deleuze nas suas Conversações quando sublinha a existência de noções inexactas e, no entanto, absolutamente rigorosas, das quais os cientistas não podem prescindir, e que pertencem ao mesmo tempo aos filósofos e aos artistas. Trata-se de um rigor que não é necessariamente científico, mas que quando alcançado pelo cientista transfigura-o também em filósofo e artista. Não se trata, segundo Deleuze, do desejo de construir uma falsa unidade que na realidade ninguém deseja, mas a de salientar o quanto o trabalho de cada um pode produzir convergências inesperadas e novas consequências. Há vários séculos que constatamos a existência de fusões e a coexistência entre Arte e Ciência. Basta pensar em alguns exemplos que levaram a Ciência a repensar a sua estrutura lógica, tornando-a mais flexível. Refira-se, por exemplo, a ambiguidade e a casualidade ou o risco de falibilidade das proposições científicas. Por outro lado, as Artes apropriaram-se de noções de precisão construtiva que se sobrepuseram à suposta espontaneidade do objecto artístico. Podemos até apontar um momento decisivo que pôs em causa o paradigma clássico não só da apreensão espacial do mundo e da natureza, mas também, no campo das artes, da geometria euclidiana: a Teoria da Relatividade e o Cubismo. Já os Gregos designavam os fenómenos artísticos de techné, de onde deriva a palavra tecnologia. Também não faziam qualquer distinção entre a arte e a técnica. Esta noção sobreviveu até ao Renascimento e o Humanismo de Leonardo da Vinci é a prova viva dessa aliança.












António Olaio
Today I discovered stereo sound, 1999 . Vídeo, cor, som, 3’ .

Música: João Taborda e António Olaio; Letra: António Olaio

As relações de proximidade entre ciência, arte e tecnologia são o sintoma de maior amplitude para o conceito de arte. O objecto foi preterido em nome de um sistema complexo que permite a interacção e manipulação num processo aberto onde o observador interage, por vezes manipulado outras, em total liberdade. A passagem do acto contemplativo ao interactivo resume esta mudança de paradigma. Noções de diversidade, complexidade, multi-mediação e recodificação são fundamentais para entendermos os novos processamentos da arte contemporânea. Indispensável é a aquisição de sistemas teóricos apropriados de outros campos para esclarecer a complexidade e os discursos dessas relações. A adopção de esquemas representativos de carácter científico constitui, por isso, para o artista uma defesa lícita e necessária de cunho inter-textual que transpostos para uma nova ordem ou caos, servirão para elaborar as suas ideias ou paradigmas intelectuais. Os artistas têm pois desenvolvido as suas obras focalizando áreas técnico-científicas como os avanços da computação, dos meios de comunicação, a biologia e a engenharia genética, o tratamento electrónico de imagens, o vídeo, os dispositivos de interacção, a web art, a criação de engenhos robóticos, etc., e os artistas reunidos neste projecto não constituem excepção.












Paulo Catrica
Física 05, 2005 . Provas cor cromogéneas . (6) 80 x 100 cm.


Segundo o comissário da exposição, o fenómeno científico e tecnológico foi entendido por estes artistas, como processo, motivo ou referente. As obras expostas compreendem diversos meios de expressão que vão da pintura à escultura, do desenho à fotografia e ao vídeo, cada uma delas estabelecendo diversos níveis de conexão com esta temática com destaque para: a fórmula E=mc2; Einstein retratado em diferentes momentos da sua vida; diferentes perspectivas fotográficas do Departamento de Física da Universidade de Coimbra; uma instalação que reflecte as noções do movimento de rotação e translação da Terra; o primeiro desenho realizado por um computador; fotografia e instalação de instrumentos médicos; observações astronómicas; efeitos do magnetismo na atracção e repulsão dos corpos; diferentes modos de representação de órgãos humanos; documentação zoológica, etc.