19 abril 2006

Ana Vieira em Coimbra
























Ambiguidade entre interior e exterior, privado e público, presença ou ausência, são algumas das qualidades que podem ser percepcionadas nas três obras pertencentes à colecção da Fundação de Serralves apresentadas no espaço do Pavilhão Centro de Portugal em Coimbra numa exposição comissariada por João Fernandes.




















Menciono este último aspecto pois considero que a inserção da instalação Corredor no espaço principal do Pavilhão revelou uma preocupação e um esforço conseguido de adequação e enquadramento da obra no espaço arquitectónico.

Observada do primeiro piso através de uma janela que permite ter uma panorâmica do edifício, a instalação parece relacionar-se harmoniosamente com espaço nos seus volumes quebrados e na identificação com a mancha branca que invade e caracteriza o interior do edifício criado por Siza Vieira.




















Esta instalação foi concebida pela artista para o espaço da Galeria Quadrum onde esteve patente ao público entre 16 de Março e 8 de Abril de 1982. Composta por madeira, ferragens e algumas dezenas de metros de pano de algodão branco, a estrutura forma um corredor estreito, por vezes baixo e espartilhado nos seus ângulos, convidando o espectador a atravessar o seu interior e a percorre-lo na perspectiva de alcançar algo que não é perceptível nos primeiros metros do percurso.

Esta instalação introduz na obra de Ana Vieira algumas diferenças face ao tipo de ambientes/instalações produzidos durante a década anterior. Posso citar como paradigma oposto e a título de exemplo, Sala de Jantar (1971), pertencente à colecção do CAM/JAP da Fundação Calouste Gulbenkian, onde, ao contrário do que acontece com Corredor, o espectador é impedido de entrar no espaço da instalação por uma trama de tecido transparente onde foram impressos vários perfis de mobiliário associado a uma sala de jantar.














































No Corredor, o tecido usado não é translúcido. A relação criada com o espaço envolvente é totalmente distinta.




















Ao contrário de uma visão simuladamente globalizante, e neste sentido confortável, no Corredor é-nos infligido um sentido, uma visão e um destino. Este jogo entre transparências e opacos dita uma falsa sensação de participação ou postura de observação em cada um dos projectos.

Esta questão da visão, de um olhar participativo, contemplador ou voyeurista é outra das questões que atravessa os vários projectos desenvolvidos por esta artista e as outras duas peças seleccionadas para esta exposição não fogem a essa reflexão.

No primeiro piso do Pavilhão temos acesso às outras peças. A primeira, designada de Mesa-Paisagem, data de 1975, e a segunda, Janelas foi realizada em 1978.

Enquanto a primeira se concentra na exploração de uma indistinção disciplinar, processo que começou a desenhar-se na arte portuguesa no início da década de 60 e que deu lugar à criação de instalações e ambientes onde se tornaram pouco claras as fronteiras entre pintura e escultura, a segunda introduz uma reflexão sobre o que João Fernandes referiu como a observação do nosso próprio acto de observação.
















Mesa-Paisagem é uma mesa redonda dividida em dois hemisférios. Aqui dominam o olhar participativo e o contemplador por esta mesma ordem. Na terra janta-se com talheres de prata e no mar navega-se à vela.
















Em Janelas é o olhar voyeurista que invade ou é convidado e perscrutar o interior de uma casa. A instalação é composta por seis projectores de slides, um guião e uma banda sonora. O espectador é transformado pela artista num invasor da privacidade alheia.
















A mesma situação repete-se em Le Déjeuner sur l'herbe de 1977, obra que pode ser vista no âmbito da exposição “26 Anos – Encontros de Fotografia” no Centro de Artes Visuais de Coimbra. Trata-se da projecção de um diaporama do quadro homónimo de Edouard Manet sobre uma tolha de piquenique na qual foram dispostos copos, pratos, uvas, um cesto, pincéis e uma paleta de tintas.

Na pintura de Manet a personagem feminina nua, em primeiro plano, olha incisiva e directamente para um espectador imaginário.

O modo como o faz, transforma-o num outro protagonista da cena representada. A crueza dessa participação sente-se a presença física dos objectos deixados sobre a toalha.